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No limite entre a legalidade e a pirataria

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A Campus Party, que terminou há uma semana em São Paulo, escancarou uma realidade urgente: os novos hábitos de consumo de cultura, conhecimento e diversão não cabem mais na legislação de direitos autorais e antipirataria em vigor no Brasil e no mundo.

O que 4 mil pessoas fizeram durante uma semana com uma conexão à internet de 10 gigabits por segundo? A resposta é óbvia: trocaram arquivos digitais dos mais diversos tipos – músicas, filmes, seriados e games, entre outros -, tanto “baixando” quanto “subindo” conteúdo em grande quantidade. E grande parte desse conteúdo é, segundo as leis atuais, ilegal.

Quer dizer que os participantes do evento merecem ser punidos? Nada disso: ao ler esta reportagem você verá que provavelmente, como quase todos nós, também é pirata.

Numa época em que, de acordo com a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), 95% dos downloads de música na internet são ilegais e a tecnologia permite copiar, subir, baixar e compartilhar arquivos pela rede, as leis continuam as mesmas do século 20: para ter acesso a um disco, filme ou livro você precisa comprar uma cópia. Se copiar ou tiver acesso sem pagar, é criminoso.

Segundo uma pesquisa da Comscore, 46% dos internautas brasileiros acessam o YouTube. De acordo com a legislação, ter acesso a conteúdo ilegal, mesmo que apenas para assistir, é crime. Então, apenas no YouTube, há muitos potenciais piratas brasileiros. Quem subir conteúdo protegido para o site pode pegar até quatro anos de prisão.

Você tem um MP3 player ou um celular que toca música? De onde vieram as músicas que estão lá? Se foi de programas do tipo P2P ou torrent (softwares que permitem compartilhar arquivos pela internet), com certeza são piratas. Mas sabia que digitalizar um CD que você comprou também é crime?

Segundo dados do Ibope/NetRatings, os downloads ilegais eram feitos por 38% dos internautas brasileiros há um ano. Hoje são 46%. Uma pesquisa da Fecomércio-RJ aponta que apenas 5% da população não recorre à pirataria por medo de ser punida.

Toda essa situação já faz surgir um debate: no momento em que a maioria está à margem da lei, de quem é o erro: das pessoas ou da lei? “Há um descompasso entre o que as pessoas fazem e o que a lei prevê”, disse Lawrence Lessig, criador do Creative Commons.

Em praticamente todo o mundo a legislação está desatualizada, mas no Brasil a lei de direitos autorais, de 1998, é particularmente rígida. Prevê, por exemplo, que a cópia privada de material entre dispositivos eletrônicos é pirataria.

Também não é o caso de apontar o dedo para a Justiça e o meio jurídico ou os detentores de direitos autorais, sejam eles artistas ou a indústria de cultura e entretenimento. Afinal, eles precisam defender seus direitos e, para tanto, apelam para profissionais afinados com a lei em vigor.

“A pirataria nunca é benéfica, mesmo como uma resposta a um modelo comercial de formato e preço que está em xeque. Não podemos defender uma lei que exclua o direito de autor”, afirma o advogado Luiz Henrique Souza, especialista em direito digital. O consultor jurídico da Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD), João Carlos Muller, é mais enfático: “As redes P2P são a desgraça dos direitos de autor”.

No meio do tiroteio está o Ministério da Cultura. Desde 2007, comissões debatem novas saídas para a lei de direito autoral brasileira. A ideia mais próxima de ser aprovada é o conceito de cópia privada, em vigor, por exemplo, nos EUA. Não resolve o problema por completo, mas é um avanço.

A questão por trás da discussão é: por que baixar arquivos? As respostas são óbvias: alto preço de CDs e DVDs, praticidade de consumir conteúdo quando quiser e ter acesso a produtos que não estão no mercado brasileiro. “Se fosse pagar por todos os álbuns que ouço, não conheceria 1% das músicas”, diz um DJ carioca, que admite baixar torrents a rodo. A realidade é mesmo complexa por ter diversos interesses em jogo. Mas tem saída, seja na lei ou no mercado.

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